Houve um tempo em que a minha janela se abria sobre uma cidade que
parecia feita de giz. Perto da janela havia um pequeno jardim quase
seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelado, e o jardim parecia
morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre homem com um balde, e, em silêncio,
ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma regra: Era uma espécie de aspersão ritual, para que o
jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas que caíam de
seus dedos magros, e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes
encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos,
sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lopes da veiga. Às
vezes, um galo canta. às vezes um avião passa. Tudo está certo, no seu
lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de
cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só
existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso
aprender a olhar, para podê-las ver assim.
Cecília Meireles
Ideal de Vida
quinta-feira, 30 de junho de 2011
A ARTE DE SER FELIZ
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